segunda-feira, 8 de julho de 2013

Contos do Celso: Olhos Tristes

Estava sentado. O bar não estava cheio, mas mesmo assim me sentia sufocado. O Red Label já não fazia tanto efeito assim, e a amargura já ameaçava voltar pra porra do meu peito. Foda-se. Queria acender um cigarro, um de menta sabe, reforçar minha decadência pra ver se alguém me nota, ou me faça rir ou me impeça de voltar pra casa e estourar meus miolos com uma .40.

E eu vi.

Lá estava ela.Seu Chanel era de um loiro desbotado, seu rosto era limpo, mais de uma incrível amargura. Ela olhou pra mim. Profundo. Seu olhar era extremamente profundo. Senti-me como se alguma coisa entrasse dentro da minha cabeça e tentasse arrancar alguma coisa de lá. Ela sorriu. Seus dentes me apareceram num sorriso forçado como se estivesse me pedindo socorro. Foda-se. O que eu tenho a perder ? E ainda por cima posso arranjar uma boa trepada no fim da noite. Aproximei-me. Acendo um cigarro, jogo pro canto da boca, estilo James Dean. Mulheres adoram caras que fumam, deve ser porque com o tempo a gente morre de câncer do pulmão e elas pegam nossa grana. Pego dois copos e encho de Red Label, vou até ela.

-Toma. Foda-se seu problema, isso resolve.
-Ah, obrigada. Se resolvesse mesmo eu ia trepar com o dono da fábrica. Você reparou que eu olhei pra você ?
Direta e safada. É disso que eu to falando. Seria tão bom se elas fossem todas assim. Sem jantares caros, sem filmes babacas, sem visita a casa do sogro pedófilo e da mãe débil mental.
-Sim. Conseguiu encontrar algo de interessante ?
-Aonde?
-Na minha cabeça.
-Não. Só encontrei a porra de um espelho.
Engraçada. Mulheres engraçadas não existem, acredite.
-Podia ser algo pior.
-Verdade.
-Meu nome é Celso. Qual o seu ?
-Celso? O imperador romano jogado aos cães ?
-Não, Sou o filósofo que não acredita em Jesus .

Ela sorriu. Agora não foi forçado. Pude olhar seu rosto melhor. Olhos azuis. Boca linda. Covinhas.
-Sério? Esse eu não sabia. Meu nome é Fernanda
E conversamos. Sobre tudo. Absolutamente tudo. De Nietzsche a tulipas. Bebemos. Ela era professora de história recém-formada, tinha 21 anos. Estava triste, pois a namorada dela tinha fugido com um marroquino. "Nem pra ser lésbica eu sirvo” ela disse. Passou-me pela cabeça uma imagem dela transando com a Bar Rafaeli. Morava com uma amiga num moquifo em Los Angeles, e não podia ir pra lá porque ela tava transando com um cara. Ela curtia Deftones, Guns e apesar de odiar os indies, ela adorava Bloc Party. Trabalhava de atendente numa loja de roupas. Já tinha certas suspeitas disso. Ela se vestia muito bem. Sou um dos poucos caras que reparam se uma mulher se veste bem, pra depois despi-las e amassar essas lindas roupas num canto do quarto. Com uma camisa do Incubus, uma calça estilo boyfriend e um All-Star branco. Ela não conhecia o pai, viveu com a mãe até os dezesseis, quando ela morreu. Trabalhou duro, desde sempre se virando. Vendia qualquer coisa. Já trepou por emprego. Enfim, ela já encarou o diabo e cuspiu na cara dele. Começa a tocar Love Song do The Cure.

-Dança comigo?
-Claro.

Curto a batida do baixo. Ela também gosta. Fazemos sexo com roupa. Ela me beija, um beijo quente, um beijo de expectativa, um beijo longo, um beijo de esperança de que eu não a maltrate, pelo menos. Acaba a música. Ainda aos beijos nós saímos do bar. Entramos no meu carro. Um Camaro '76. Tentei transar com ela dirigindo, mais não consigo. Uma noite de sexo. E que noite de sexo. Transamos como jamais pensei que fosse possível. Um sexo decadente, triste, ácido, quente, agressivo. Foda. Acordo e olho pro meu lado da cama. ela não está lá. Só um bilhete com um telefone. Ligar pra ela? Não. Hoje não. Ligo pra ela na terça, aí eu vou saber se vale a pena.
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